sexta-feira, 11 de março de 2011

Ideias que vêm de fora

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
...
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
 
(João Cabral de Melo Neto, "Morte e Vida Severina")

Nesta passagem, o protagonista Severino diz que ele não é único nem especial.  Na verdade, porém, são as outras pessoas que impõem essa ideia nele.  A noção de que ele não tem valor e que ele é totalmente igual aos outros retirantes nordestinos vem da percepção que as pessoas que moram fora do sertão têm.  Por exemplo, quando ele encontra a mulher na janela, ele enumera as muitas formas de trabalho que sabe fazer mas ela insiste que nenhuma de suas competências vale nada.

Severino aponta as semelhanças que tem com seus compadres e mostra a forte identidade comunitária.  Muitos brasileiros, porém, acham que todos os retirantes nordestinos são totalmente iguais.  Mas Seu José mostra que não precisamos colocar todas as pessoas em estereótipos.

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