sexta-feira, 11 de março de 2011

Os tempos mudavam

Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.

(João Guimarães Rosa.  A Terceira Margem do Rio)

O significado deste conto é ambíguo.  O narrador encara uma situação muito difícil que define sua vida; depois que seu pai entra na canoa, ele não consegue seguir em frente com sua vida.  Seu irmão, sua irmã e sua mãe vão embora mas ele permanece por causa do apego que ele tem com seu pai.  Guimarães Rosa emprega um paradoxo para exprimir os sentimentos contraditórios do narrador:  o "devagar depressa dos tempos".  De um lado, o tempo parece passar rapidamente porque muitas coisas estão mudando.  Mas do outro lado, o tempo parece passar devagar porque a parte mais integral de sua vida, o relacionamento com seu pai, não muda. 

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