quinta-feira, 31 de março de 2011

Fanatismo e intolerância fora do coração

Com voz titubeante a irmã Celestina disse que a aluna Alice confessara que realmente entregar o cordão e a medalha ao guarda-florestal.  Gumercindo dera a Alice outra orquídea, mas Alice queria uma mais bonita e oferecera o cordão com a medalha em troca.
Guedes agradeceu e saiu.  Subiu o morro o mais rápido que suas forças permitiam.
Leitão estava na porta da casa de Gumercindo. 
"O sujeito veio?"
"Está lá dentro", disse Leitão.
Gumercindo estava caído na sala, sua camisa empapada de sangue.  Ao lado a imagem de Exu em pedaços.
"Você matou o cara, puxa!"
"Ele reagiu."
"Reagiu cocô nenhum!"
"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça."
"Você é um fanático, Leitão."
"Eu estou de bem com a minha consciência.  Estou de bem com Deus.  Tenho o amor de Jesus no coração."


(O amor de Jesus no coração.  Rubem Fonseca)

O final desse conto me lembra de Doze Homens e uma Sentença (12 Angry Men).  No filme, o juri, depois de muita deliberação, decide entregar um veredicto de não culpado.  Mas, mesmo no final do filme, não sabemos se o acusado realmente matou seu pai ou não.  Nós podemos formar uma opinião, mas nunca saberemos se temos razão ou não.  O propósito do filme é mostrar o processo do sistema judicial e revelar o carácter dos personagens.

Da mesma forma, é muito difícil dizer se Gumercindo estava culpado ou não.  Há poucos suspeitos conhecidos que poderiam ter cometido os homicídios e ele teve contato com as meninas, mas não há evidência nenhuma que ele realmente é o assassino.  Leitão, porém, fez um julgamento que não pode ser desfeito.  O propósito do conto é mostrar o processo de trabalho da polícia, fornecer uma lona onde esses personagens podem agir e revelar suas personalidades, e fazer uma declaração sobre o fanatismo religioso.  Evidentemente, Fonseca acha que uma pessoa pode professar religiosidade e ainda ser uma pessoa muito ruim. 

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