sexta-feira, 8 de abril de 2011

Utopia

Muito do que a gente ouve de Londres é só fama.  Por exemplo, as ruas são sujas.  Em toda lata de lixo está escrito que tem multa para quem jogar lixo no chão.  Sempre tem lixo no chão.  E não são só os imigrantes; eu já vi muito inglês fazendo questão de jogar papel fora do cesto.  Aqui também tem inflação, estou cansado de ver os preços subirem.  Desde que eu estou aqui, o metrô já aumentou duas vezes.  Aliás, no metrô eu vi uma coisa que deu vontade de rir.  Dois baldes, cheios de areia, escrito assim:  "Para uso em caso de incêndio".  Essa é a famosa tecnologia de Primeira Mundo.  ...O povo inglês é mais bovino do que o brasileiro. ...E as mulheres, então?  Ainda não vi uma inglesa bonita.  São todas gordas de canelas finas.  A Inglaterra já deu o que tinha que dar, acabou. ...Nos banheiros deste prédio está cheio de porcaria escrita, um xingando o outro. ...Não sei o que acontece em banheiro, que o cara fica com vontade de escrever besteira.
(Guilherme Vasconcelos.  "Pole Position")

O narrador é muito crítico da sociedade inglesa.  Ele procura e anota todos os defeitos e problemas, e encontra-se aquilo que se procura.  Ele quer ver uma sociedade totalmente perfeita, totalmente livre de crime, com ruas limpíssimas, pessoas amigáveis e educadas, e um alto padrão de vida para todos.  Entretanto, a utopia que ele deseja, a sociedade perfeita, seria pior do que a comunidade em que ele agora vive. 
Neste mundo, não existe nenhuma sociedade perfeita (a Cidade de Enoque já foi arrebatada).  A menos que haja um grande grupo de pessoas extremamente justas e retas, a única maneira de criar esse sonho é tirar o arbítrio das pessoas e purgar aqueles elementos que não são desejáveis.  Se há poucas mulheres bonitas, precisa-se remover aquelas que não são.  Precisar-se-ia vigiar constantemente os banheiros e retirar da comunidade aqueles que escrevem na parede. 
Como escreve James Madison no décimo artigo de "O Federalista", existem duas maneiras de limitar os danos provocados ​​pela natureza humana:  ou eliminar as causas (destruir a liberdade) ou controlar seus efeitos.  Madison argumenta que destruir a liberdade das pessoas é pior do que o problema que tenta resolver.  O remédio seria pior do que a doença.
O narrador precisa aprender a contribuir à sociedade, ao invés de simplesmente reclamar de tudo. 

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