quarta-feira, 13 de abril de 2011

2600 argumentos contra o preconceito

Felipe começou a achar o gringo muito calado.  Ou ele tinha mesmo entendido tudo, ou só balançou a cabeça para não se fazer de estúpido.  ... Neste momento, um calafrio correu a espinha de Felipe: será que o gringo não veio para tomar seu lugar? ... É claro que o gringo já conhecia o XRM-2600.  Vai ver ele mesmo tinha criado o programa e era especialista na área de programação.  Com certeza, veio do país dele a peso de ouro só para instalar um programa mais complicado.  E, se só ele soubesse usar o programa, estaria com o emprego garantido.  Felipe viu a chance de uma promoção dissolver-se no ar.
(José Paulo de Araújo.  XRM-2600)

No conto "XRM-2600", Felipe se sente muito ameaçado por seu colega de trabalho estrangeiro, Vladomir.  Vladomir demonstra inteligência, educação, vontade de trabalhar e ideias progressivas sobre o casamento e a masculinidade.  Por isso, Felipe se estranha com as diferenças que ele observe em Vladomir - diferenças de raça, de identidade nacional e de masculinidade.  E seus preconceitos sobre as diferenças do estrangeiro se manifestam em pensamentos paranoicos e irracionais.  Ele formula uma teoria da conspiração na qual Vladomir supostamente finja ser um recém-chegado no campo de programação que na verdade desenhou um novo programa para substituir a tecnologia obsoleta de XRM-2600.  
Este conto engraçado mostra a importância de não julgar os outros por causa de características que parecem estranhas e de não ficar com inveja por causa do sucesso dos outros. 

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Utopia

Muito do que a gente ouve de Londres é só fama.  Por exemplo, as ruas são sujas.  Em toda lata de lixo está escrito que tem multa para quem jogar lixo no chão.  Sempre tem lixo no chão.  E não são só os imigrantes; eu já vi muito inglês fazendo questão de jogar papel fora do cesto.  Aqui também tem inflação, estou cansado de ver os preços subirem.  Desde que eu estou aqui, o metrô já aumentou duas vezes.  Aliás, no metrô eu vi uma coisa que deu vontade de rir.  Dois baldes, cheios de areia, escrito assim:  "Para uso em caso de incêndio".  Essa é a famosa tecnologia de Primeira Mundo.  ...O povo inglês é mais bovino do que o brasileiro. ...E as mulheres, então?  Ainda não vi uma inglesa bonita.  São todas gordas de canelas finas.  A Inglaterra já deu o que tinha que dar, acabou. ...Nos banheiros deste prédio está cheio de porcaria escrita, um xingando o outro. ...Não sei o que acontece em banheiro, que o cara fica com vontade de escrever besteira.
(Guilherme Vasconcelos.  "Pole Position")

O narrador é muito crítico da sociedade inglesa.  Ele procura e anota todos os defeitos e problemas, e encontra-se aquilo que se procura.  Ele quer ver uma sociedade totalmente perfeita, totalmente livre de crime, com ruas limpíssimas, pessoas amigáveis e educadas, e um alto padrão de vida para todos.  Entretanto, a utopia que ele deseja, a sociedade perfeita, seria pior do que a comunidade em que ele agora vive. 
Neste mundo, não existe nenhuma sociedade perfeita (a Cidade de Enoque já foi arrebatada).  A menos que haja um grande grupo de pessoas extremamente justas e retas, a única maneira de criar esse sonho é tirar o arbítrio das pessoas e purgar aqueles elementos que não são desejáveis.  Se há poucas mulheres bonitas, precisa-se remover aquelas que não são.  Precisar-se-ia vigiar constantemente os banheiros e retirar da comunidade aqueles que escrevem na parede. 
Como escreve James Madison no décimo artigo de "O Federalista", existem duas maneiras de limitar os danos provocados ​​pela natureza humana:  ou eliminar as causas (destruir a liberdade) ou controlar seus efeitos.  Madison argumenta que destruir a liberdade das pessoas é pior do que o problema que tenta resolver.  O remédio seria pior do que a doença.
O narrador precisa aprender a contribuir à sociedade, ao invés de simplesmente reclamar de tudo. 

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A terçeira margem da marginalidade

Júnior foi um aluno relativamente bom, mas parou de estudar na sétima série, preferiu trabalhar e ajudar na sua casa que era ele, uma irmã mais nova, pai e mãe.  Dos treze aos dezesseis anos trabalhou de office boy numa advogacia no centro de São Paulo e só saiu de lá para ganhar mais como auxiliar de escritório numa metalúrgica em Guarulhos, lá trabalhou numa boa por um ano até que um dia...
Sumiu um pacote contendo dois mil reais que iria ser parte do vale dos funcionários naquele dia 20 de agosto.  Ninguém o acusou diretamente e nem podiam provar nada, mas todos mudaram de atitude junto a Júnior, só podia ser o favelado que roubou o dinheiro e duas semanas depois do fato ele foi despedido.
Saiu de consciência tranquila e revoltado, seria injustiçado mas nunca um cagueta, só ele viu quando a secretária Simone, que é de confiança do patrão, pegou o pacote e voltou do almoço sem ele. 
(Alessandro Buzo.  "Tentação")

A literatura marginal dá uma voz àqueles que não tem voz: os oprimidos, os desfavorecidos, os pobres, os mal representados - enfim, os favelados.  Muitas vezes, as pessoas que são instruídas e formadas são justamente aquelas que mantêm preconceitos negativos sobre a classe baixa.  E por isso que Ferréz compilou essa coletânea de literatura marginal.
E interessante porque no conto "Tentação", é o Júnior que tem um senso de honra e dignidade.  Ele considera o ato de delatar uma colega uma coisa sem honra e ele mantém seus princípios, mesmo que ele seja despedido.  Já que o Júnior é o favelado, muitos acham que ele deveria ser aquele que não tem bússola moral.  Mas são os outros que mostram que não têm valores: a Simone rouba dois mil reais, mesmo tendo a confiança do chefe; o chefe manda Júnior embora, mesmo que não tenha prova de que Júnior está culpado.
Muitas pessoas não conseguem enxergar a vida do perspectiva do Júnior e por isso esse conto é importante.