sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

"Arminda voltou-se sem cuidar malícia. Foi só quando ele, tendo tirado o pedaço de corda da algibeira, pegou dos braços da escrava, que ela compreendeu e quis fugir. Era já impossível. Cândido Neves, com as mãos robustas, atava-lhe os pulsos e dizia que andasse. A escrava quis gritar, parece que chegou a soltar alguma voz mais alta que de costume, mas entendeu logo que ninguém viria libertá-la, ao contrário. Pediu então que a soltasse pelo amor de Deus.
...
"Houve aqui luta, porque a escrava, gemendo, arrastava-se a si e ao filho. Quem passava ou estava à porta de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia. Arminda ia alegando que o senhor era muito mau, e provavelmente a castigaria com açoites — coisa que, no estado em que ela estava, seria pior de sentir. Com certeza, ele lhe mandaria dar açoites" (Machado de Assis.  Pai contra mãe).

Neste conto, Machado de Assis mostra que nossa primeira responsabilidade é fazer o bem e fazer o certo; não é obedecer à lei porque isso poder ser muito diferente daquilo que é certo. Cândido prendeu Arminda porque ele não queria perder o filho (um motivo nobre) e as pessoas que presenciaram a captura não a protegeram porque, nos olhos da lei, pegar escravos fugitivos era um serviço honesto.
Ao ler este conto, eu estava torcendo para Cândido. Eu conheci muitas pessoas no Brasil que não conseguiam pagar o aluguel e não tinham nada para comer. Eu vi todos elas em Cândido. E ele só estava fazendo um trabalho honesto, não é? Ele e sua família tinham que comer também. Mas, ao terminar de ler o conto, eu me senti muito culpado porque Arminda estava em uma situação muito pior. Ela, por ser um ente humano criado por Deus, tinha o direito de viver livre.
Este conto foi uma forte invectiva para mim e para todas as pessoas que apoiavam escravidão.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A criação de uma nova nação

"A filha de Araquém foi sentar-se longe, na raiz de uma árvore, como a serva solitária, que o ingrato companheiro afugentou do aprisco..." (José de Alencar, Iracema, 70).
Iracema teve que escolher entre seu povo, os tabajaras, e seu amor, o guerreiro português Martim.  Ela sente a falta de sua família e seu lar como uma ovelha sente falta do aprisco e do pastor que a protegia. 
Do mesmo jeito, os índios tiveram que adaptar a uma nova vida quando eles se misturaram com os portugueses.  Iracema representa a natureza e a floresta, e Martim representa a subjugação e a conquista da natureza.  Mas os portugueses não só usavam a força para conquistar os nativos.  Ao contrário dos ingleses que não misturaram com os índios, os portugueses aprenderam a língua dos índios e tiveram filhos com eles. 

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Vou voltar

...
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
E é pra ficar
Sei que o amor existe
Não sou mais triste
E a nova vida já vai chegar
E a solidão vai se acabar
E a solidão vai se acabar
(Tom Jobim e Chico Buarque.  "Sabiá", 17-35).

Quando eu li este poema, eu não sabia que era a letra de uma música.  Mesmo assim, percebi que essas linhas possuíam um ritmo muito forte.  As palavras "vou voltar" se repetem oito vezes no poema e cada vez que leio essa frase, a batida das três sílabas me faz pensar em alguém marchando, dando três passos resolutos para frente:  vou-vol-TAR.  vou-vol-TAR.  sei que ainda vou-vol-TAR. 
A músca, porém, é muito mais suave e bamboleante, dando a impressão de alguém que acredita que vai voltar para seu amado lar um dia mas não sabe se realmente quer chegar lá.   Ele emprega um oxímoro: "Fiz de tudo e nada / De te esquecer", sugerindo que ele não tem certeza que a terra da sabiá ainda seja um paraíso.  Outros exemplos de paradoxo como deitar na sombra de uma palmeira que não existe mais e colher flores que não existem mais mostram que talvez o seu lugar tenha mudado bastante durante sua ausência.